Descrição
Oficinas Clínico-Literárias para discussão de casos clínicos
APRESENTAÇÃO
A partir de textos escritos previamente pelos participantes da oficina – a respeito de suas próprias análises, ou de casos clínicos tomados de seus próprios pacientes, analisandos, consulentes ou da literatura universal – e que serão compartilhados anonimamente nos encontros por meio de uma logística específica para esse fim e que preserva a confidencialidade dos autores, o objetivo da atividade é discutir o sentido ético da escuta e dos procedimentos da clínica psicanalítica.
OBJETIVO
A cada oficina, as/os participantes estarão habilitados a estabelecerem:
– a produção de um texto anônimo, ficcional ou casuístico, versando sobre questões clínicas colhidas de suas análises ou terapias pessoais, das narrativas de suas/seus eventuais pacientes/consulentes/analisandos devidamente não identificadas/os, bem como da literatura universal por quem se sentirem interrogadas(os);
– a discussão das diferentes produções clínico-literárias produzidas pelos membros do grupo a partir de parâmetros éticos inspirados na tradição de procedimentos de escuta desenvolvidos na psicanálise de acepção freudiano-lacaniana;
– a discussão do sentido ético e metodológico das estratégias e procedimentos de escuta desenvolvidas na tradição psicanalítica de acepção freudiano-lacaniana.
FORMATO
Encontros online mensais de 4 horas cada, sempre aos sábados pela manhã, a partir de abril de 2021.
CRONOGRAMA
10 de abril de 2021 – O Eu e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o imaginário).
15 de maio de 2021 – O Outro e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o simbólico).
12 de junho 2021 – O infamiliar e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o real)
17 de julho de 2021 – Narrativas do feminino na Literatura e na Psicanálise (o mais além).
PÚBLICO
Psicanalistas, Psicólogos, Psiquiatras, Terapeutas e Psicoterapeutas, Naturólogos, Filósofos e estudantes em geral.
COORDENAÇÃO
Profa. Dra. Maria Holthausen
Doutora em Literatura UFSC – Psicanalista.
Grupo de Estudos em Arte Filosofia e Psicanálise.
http://psicanaliselacaniana.blogspot.com/
SOBRE OS ENCONTROS
Primeiro Encontro – 10 de abril de 2021
Narrativas Sobre o Imaginário: O Eu e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o imaginário).
O objetivo deste trabalho é o de sublinhar, na contracorrente de uma certa tendência reinante em grandes partes dos saberes institucionalizados do século XX, a importância da noção do Eu, e seu correlato fenomenológico da experiência vivida na primeira pessoa.
Para a psicanálise lacaniana, o imaginário é o registro que unifica as partes dispersas pela via da organização da imagem e do sentido. Esta ordenação estabelece a coerência do Eu e, simultaneamente, das narrativas. Portanto, “ele separa, rejeita, se distancia de outras visões do mundo e da tradição literária ou filosófica e valoriza o novo no texto”.
Sugestões de leitura:
LACAN ACERCA DO EU E DO OUTRO
Leitura do Seminário I, de Jacques Lacan: Os escritos técnicos de Freud – 1953-1954
BARTHES E AS IMAGENS DO AMOR
“O amor é um modo de olhar, é ver-se nos olhos do outro, é ver-se observado, furtivamente.”
BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. 2003.
MILAN KUNDERA E OS RISÍVEIS AMORES
“…todo o valor do homem está ligado a essa faculdade de se superar, de existir além de si mesmo, de existir no outro para outro.”
“Mas pergunto como se pode querer ser um conquistador numa terra onde ninguém nos resiste, onde tudo é possível, onde tudo é permitido? A era dos dom-juans está terminada. O atual descendente de Dom Juan não conquista mais, apenas coleciona.”
KUNDERA, Milan. Risíveis amores. 2012.
SARTRE E OS AMORES INFERNAIS
“A gente abria e fechava; isso se chamava piscar. Um pequeno clarão negro, um pano que cai e se levanta, e aí a interrupção (…) Quatro mil repousos em uma hora. Quatro mil pequenas fugas.”
“Aquele que me olha é sempre o meu carrasco.”
“O inferno são os outros.”
SARTRE, J-P. Entre quatro paredes. 2008.
POR QUE SOFREM AS MULHERES? Do erotismo à maternidade
“Se nossos maridos não falassem, veríamos as coisas como são.”
TOLSTÓI, Liev, Anna Kariênina, Cosac Naify, 2013.
Segundo Encontro – 15 de maio de 2021
O Outro e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o simbólico).
Dentre as mais importantes novidades introduzidas pela Psicanálise com a hipótese do recalcamento, podemos sinalizar a descoberta da autonomia dos significantes recalcados para produzirem uma articulação simbólica independentemente das gramáticas compartilhadas no laço social enquanto significações conscientes. E a presença daquela atividade simbólica autônoma, como o demonstraram os críticos literários no século XX a partir das contribuições de Freud, já se deixava ver nos textos clássicos. O que autorizou, na via inversa, o reconhecimento de que, na prosa mundana e impessoal produzida pelos falantes, costumeiramente associada a um sintoma ou patologia, existe algo quase literário, cuja característica é a tentativa de se dizer tudo, de modo livre, como na livre associação produzida pelos analisandos, especialmente em torno de temas de natureza transferencial, como o amor.
Sugestões de leitura:
LACAN E O AMOR DESEJANTE – o discurso das histéricas no século XIX
“(…) embora o desejo pareça, com efeito, carregar consigo um certo montante de amor, trata-se muitas vezes de um amor que se apresenta à personalidade como conflituoso, de um amor que não se declara, que inclusive se recusa a se declarar.”
LACAN, O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação.
GUIMARÃES ROSA E O FANTASMA NO AMOR
“O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente — “Diadorim, meu amor…” Como era que eu podia dizer aquilo? Explico ao senhor: como se drede fosse para eu não ter vergonha maior, o pensamento dele que em mim escorreu figurava diferente, um Diadorim assim meio singular, por fantasma, apartado completo do viver comum, desmisturado de todos, de todas as outras pessoas — como quando a chuva entre-onde-os-campos. Um Diadorim só para mim. Tudo tem seus mistérios. Eu não sabia. Mas, com minha mente, eu abraçava com meu corpo aquele Diadorim-que não era de verdade. Não era? A ver que a gente não pode explicar essas coisas. Eu devia de ter principiado a pensar nele do jeito de que decerto cobra pensa: quando mais-olha para um passarinho pegar. Mas — de dentro de mim: uma serpente. Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava”.
ROSA, J. G. Grande Sertão. Veredas. 1956.
OCTÁVIO PAZ E A DUPLA CHAMA – do erotismo ao desejo
“A relação da poesia com a linguagem é semelhante à do erotismo com a sexualidade. Também no poema – cristalização verbal – a linguagem se desvia de seu fim natural: a comunicação”.
PAZ, Octávio. A dupla chama do amor. 1994.
DON JUAN É UM SONHO FEMININO
Là ci darem la mano,
Là mi dirai di sì.
Vedi, non è lontano;
Partiam, ben mio, da qui.
MOZART, W. Ópera Don Giovanni
“Don Juan é um sonho feminino. O que seria preciso, em cada ocasião, é um homem que fosse perfeitamente igual a si mesmo, como a mulher pode, de certa maneira, se vangloriar de sê-lo em relação ao homem. Don Juan é um homem ao qual não faltaria nada. […] É quase banal sublinhar a relação de Don Juan com a imagem do pai enquanto não castrado. O que é talvez menos banal é marcar que esta é uma pura imagem feminina.”
LACAN. O Seminário: livro 20. Mais ainda.
Terceiro Encontro – 12 de junho de 2021
O infamiliar e suas figurações na Literatura e na Psicanálise (o real).
Se seguimos a orientação freudiana, acompanhamos a relação entre a percepção do infamiliar e o retorno do recalcado. Freud nos alerta para o fato de que, nem toda vivência assustadora ou terrível convoca a experiência de estranhamento. Este sentimento apresenta-se, somente, naquelas vivências em que há também perturbação da lei do recalque, fazendo com que as representações recalcadas venham à tona. Outro aspecto ressaltado por Freud, ao analisar os temas recorrentes ao estranho/infamiliar, é o fenômeno do duplo, que remonta a um período em que a criança ainda não distingue a separação entre o eu e o outro.
Sobre o fenômeno do estranho, diz Lacan: “O homem encontra a sua casa num ponto situado no Outro para além da imagem de que somos feitos.”
Sugestão de leitura:
BARTHES E O PUNCTUM DO AMOR
“Como espectador, eu só me interessava pela Fotografia por
‘sentimento’; eu queria aprofundá-la, não como uma questão (um tema), mas como uma ferida: vejo, sinto, portanto, noto, olho e penso”
BARTHES, Roland. A câmara clara. 2006.
CLARICE LISPECTOR E O REAL DO AMOR
“Ouve-me, ouve o silêncio. O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas em um caleidoscópio.”
LISPECTOR, Clarice. Água Viva. 1980.
AMOR COMO OUTREM EM MERLEAU-PONTY
“(…) há um narcisismo fundamental de toda visão, daí por que, também ele sofre, por parte das coisas, a visão por ele exercida sobre elas; daí, como disseram muitos pintores, o sentir-me olhado pelas coisas, daí minha atividade ser identicamente passividade – o que constitui o sendo segundo de mais profundo do narcisismo: não ver de fora, como os outros veem, o contorno de um corpo habitado, mas sobretudo ser visto por ele, existir nele, emigrar para ele, ser seduzido, captado, alienado pelo fantasma, de sorte que vidente e visível se mutuem reciprocamente, e não mais se saiba quem vê e quem é visto.”
MERLEAU-PONTY. Le visible et l’invisible. 1964.
DIDI-HUBERMAN E O INELUTÁVEL NO AMOR
“O que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha. Inelutável, porém, é a cisão que separa dentro de nós o que vemos do que nos olha.”
HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. 2010.
Quarto Encontro – 17 de Julho de 2021
NARRATIVAS DO FEMININO NA LITERATURA E NA PSICANÁLISE
(o mais além).
A escritura, assim como pensou Barthes, Lacan e Derrida, participa de um vasto campo que vai além do campo literário propriamente dito. Um campo em que a representação é desestabilizada e a imagem é tomada não mais em sua especificidade de representação, mas por seu valor fonético ou de letra. Nesse proto-espaço de uma “litografia anterior às palavras: metafonética, não linguística, a-lógica”, pode residir o que se denomina de escrita feminina. Se algumas autoras “recusam-se a admitir a dimensão feminina de seus textos, quase todas se reconhecem numa outra dimensão: aquela que, atravessando a representação, vai desembocar na escrita, ou, mais exatamente, na escritura.”
Sugestão de leitura:
O QUE LACAN DIZIA DAS MULHERES?
“Lacan (…) refuta o Édipo como mito para reduzi-lo unicamente à lógica da castração; acrescenta que essa lógica não regula o campo do gozo: há uma parte dele que não passa pelo Um fálico e que permanece, real, fora do simbólico. Dizer que A mulher não existe, é dizer que a mulher é apenas um dos nomes desse gozo, real.”
SOLLER, Colete. O que Lacan dizia das mulheres. 2005.
UM GOZO PARA CHAMAR DE SEU: NÃO TODO
“Enquanto os homens se sacrificam por uma Coisa (país, liberdade, honra), apenas as mulheres são capazes de se sacrificar por nada. (Ou seja: enquanto os homens são morais, somente as mulheres são propriamente éticas).”
ZIZEK. Slavoj. O amor impiedoso: sobre a crença. 2012.
A LOUCURA FEMININA NA LETRA DO TEXTO – O FEMININO NA LITERATURA
“É ainda mais crucial, portanto, não confundir a lógica do sacrifício ‘irracional’, que visa redimir ou salvar o Outro (ou enganá-lo, o que, em última medida, dá no mesmo), com outro típico de renúncia, típica das heroínas femininas na literatura moderna – uma tradição cujos exemplares são aqueles da princesa de Clèves e de Isabel Archer.”
ZIZEK. Slavoj. O amor impiedoso: sobre a crença. 2012.
POR QUE LER HILDA HILST? O gozo cínico
Se te pareço noturna
e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim,
como se tu me olhasses
E era como se a água
Desejasse…
HILST, Hilda. Noturnos imperfeitos. 2004.
Referências Bibliográficas:
ANDRÉ, Green/Organ. A pulsão de Morte, São Paulo: Editora Escuta, 1988.
BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
__________, A câmara clara. Tradução Manuele Torres. São Paulo. Edições 70. 2006.
BRANCO, Lucia Castelo & BRANDÃO, Ruth Silviano, A força da Letra, Belo Horizonte: Ed. UFMF, 2000.
DERRIDA, Jacques. Acts of literature. Jacques Derrida edited by Derek Attridge. New York. US: Routledge, 1992.
__________, A Escritura e a diferença. Tradução de Maria Beatriz Marques. Niza da Silva. 3ed. SP: Perspectiva, 2002.SP USP, 1967.
EAGLETON, Terry. O Nome do Pai: Sigmund Freud, in A ideologia da Estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993
FREUD, Sigmund, Estudos sobre a Histeria, Volume II, Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1980.
__________, O infamiliar, Tradução Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2020.
GUIMARÃES, LEDA, Gozos da Mulher, e-book
HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo. Globo. 2004.
HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. Tradução de Paulo Neves, São Paulo: Editora 34, 1998.
LACAN, Jacques, Seminário – livro 10, A Angústia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
KEHL, Maria Rita, Deslocamentos do Feminino, São Paulo, SP: Boitempo, 2016
KUNDERA, Milan. Risíveis amores. Tradução Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
LACAN, Jacques, A Significação do Falo, Escritos, Rio de Janeiro: Zahar, 1998
__________, O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação. Tradução de Claudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
__________, O seminário. Livro 20 Mais, Ainda, Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A, 1982.
__________, O aturdito, Outros Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Nova Fronteira. 1980.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Le visible et l’invisible. Signes. Paris, Gallimard. 1964.
NERI, Regina, A psicanálise e o feminino: um horizonte da modernidade- Novas configurações da diferença sexual. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
PAZ, Octávio. A dupla chama do amor. Tradução Wladyr Dupont. São Paulo. Siciliano. 1994
PONTALIS, J.B., MANGO, Edmundo Gómes, Freud com os escritores, Tradução André Telles, São Paulo: Três Estrelas, 2013
ROSA, J. G. Ficção completa em dois volumes. São Paulo: Nova Aguilar, 2009.
SOLER, C. O que Lacan dizia das mulheres. Tradução Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
SARTRE, J-P. Entre quatro paredes. Tradução Alcione Araújo e Pedro Hussak. 4ed. RJ, Civilização Brasileira, 2008
TOLSTÓI, Liev, Anna Kariênina, Tradução Rubens Figueiredo, São Paulo: Ed. Cosac Naify, 2013
ZIZEK. Slavoj. O amor impiedoso: sobre a crença. Tradução Lucas Melo Carvalho Riberio. São Paulo. Autêntica. 2012